20/10/2025

Provisão cresce e pode levar a reajuste maior de planos de saúde

Fonte: Valor Econômico
O mercado de saúde vem assistindo a uma queda na taxa de sinistralidade dos
convênios médicos desde o fim de 2024, que tem se traduzido em reajustes
menores neste ano. Mas chama a atenção o aumento das reservas para cobertura
de contas médicas a serem quitadas no futuro - o que pode ser uma sinalização
de custos médicos maiores e, consequentemente, de retomada de reajustes mais
elevados nos próximos ciclos de revisão das mensalidades dos planos.
No primeiro semestre, as reservas para cobrir atendimentos médicos realizados,
mas ainda não cobrados das operadoras (a chamada Peona), somaram R$ 28,6
bilhões. É comum a conta médica levar meses para ser notificada, porque há,
por exemplo, casos de tratamentos mais longos.
Já a provisão para procedimentos que os hospitais já notificaram (PESL) aos
planos de saúde ficou em R$ 27,5 bilhões nos seis primeiros meses do ano.
Historicamente, essa provisão é maior do que o atendimento não cobrado, mas,
nos últimos três trimestres, houve inversão. Ou seja, atualmente, há mais
dinheiro guardado para cobrir despesas médicas futuras dos planos de saúde, o
que vem gerando questionamentos sobre essa alta puxada pelas seguradoras.
Marcio Coriolano, consultor da Capitolio Comunicações Estratégicas e expresidente
da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg), diz que “o
custo médico continua subindo”. “Essa queda na taxa de sinistralidade que se
vê desde dezembro se deve aos reajustes de anos anteriores e menor uso do
plano, não à queda do custo médico.”
Em 2024, a receita do setor (vinda das mensalidades dos planos) somou R$ 292
bilhões, com alta de 10% sobre 2023. No mesmo período, as despesas médicas
aumentaram 6,4%, para R$ 240 bilhões, mostram dados da Agência Nacional
de Saúde Suplementar (ANS).
A ANS diz que “não é correto afirmar que os custos médicos estão subindo,
analisando-se isoladamente a Peona”. Na visão do regulador, o aumento dessas
reservas ocorre porque os hospitais estão levando mais tempo para notificar as
grandes operadoras sobre os atendimentos realizados. “A conta médicohospitalar
de algumas grandes operadoras parece estar demorando mais a ser
notificada pelos prestadores a algumas grandes operadoras do que costumava
ocorrer no passado, não estando claro, a partir dos números, a razão - que pode
se dar desde adequação de sistemas a reorganizações de fluxos operacionais e
administrativos entre operadoras e prestadores”, afirmou.
Coriolano diz que o cálculo de reservas futuras é feito com base nas despesas
atuais e não tem relação com prazos de notificação entre hospitais e operadoras.
A atuária Raquel Marimon, especializada em planos de saúde, explica que “a
Peona é estimada com base no histórico de procedimentos que estão sendo
realizados, notificados e pagos.”
A Anahp, associação dos hospitais, tem reclamado com frequência que as
operadoras estão alongando o prazo de pagamento, não o contrário, como cita
a ANS. Em agosto, os hospitais estavam levando em média 83,5 dias para
receber. Um ano antes, esse prazo era de 63,7 dias. Considerando o prazo médio
de recebimento nos últimos 12 meses, esse indicador ficou em 74,3 contra 72,44
dias no período anterior (2023-2024).
Segundo Leandro Bastos, analista do Citi, ainda faltam explicações sobre o
avanço nas reservas, mas ele acredita que pode ser uma combinação dos dois
fatores. “O nível de provisões técnicas entre as operadoras de saúde está
escalando num ritmo acelerado, refletindo não apenas premissas atuariais
piores, como por exemplo, pico de autismo, lista expandida de procedimentos
da ANS, etc, mas ciclo de contas a pagar estendido.”
Entre empresas de planos de saúde, as seguradoras são as que menos esticam
prazos para pagar
Esse aumento na linha de provisões futuras é puxado pelas seguradoras de
saúde. Dos R$ 56 bilhões de reservas totais do setor no primeiro semestre,
21,5% são da Bradesco Saúde e 16,5%, da SulAmérica. “As seguradoras
historicamente têm mais reservas, já é parte do DNA delas, elas são mais
conservadoras”, diz Coriolano.
Vale ponderar que, entre as empresas de planos de saúde, as seguradoras são as
que menos esticam os prazos para pagar. Portanto, não é possível fazer uma
ligação direta entre a alta das provisões das seguradoras com o aumento no
prazo de pagamento do setor. Apesar de muitas operadoras reclamarem da
obrigatoriedade de se guardar esse dinheiro, as provisões geram receita
financeira relevante, em especial com taxa de juros em torno de 15%.
Para Raquel Marimon, atuaria especializada no setor de saúde, as regras de
provisão são distintas entre seguradoras, medicina de grupo (operadora que
pode ter rede própria), cooperativas médicas e autogestão (empresa que
administra o próprio convênio médico). “Há operadoras verticalizadas que
conseguem controlar mais seus custos porque o hospital é próprio. Então, isso
pode se refletir nos cálculos.”
No setor de planos de saúde, há oito tipos de reservas, que juntas totalizaram
R$ 79,2 bilhões no primeiro semestre. As duas mais relevantes são Peona e
PESL, que cobrem despesas médicas e somaram R$ 56 bilhões, alta de 12%
sobre o mesmo período de 2024.
Essas reservas são relevantes porque o recurso é sacado quando uma operadora
entra em liquidação extrajudicial. Esse dinheiro pagará as contas de hospitais e
médicos, permitindo que os usuários dos planos continuem sendo atendidos
até que seja efetivada a transferência para outra operadora.
Há casos no mercado como o da Unimed-Ferj, que atravessa situação financeira
complexa há cerca de dez anos e já sacou suas reservas. É um problema caso a
cooperativa médica encerre as atividades e não consiga recompor provisões
para pagar as contas. Ainda no Rio, há reclamações dos prestadores de serviço
de que a Golden Cross, com liquidação extrajudicial decretada, deve cerca de
R$ 200 milhões para hospitais.
Procuradas, a Bradesco Saúde disse que “segue a regulamentação e adota
práticas consistentes de gestão técnica. Considerada essencial para garantir o
equilíbrio financeiro e o compromisso futuro com segurados e prestadores, a
Peona tem se mantido em patamares estáveis nos últimos períodos, sendo
compatível com o porte, quantidade de vidas e com os riscos assumidos pela
companhia.” A SulAmérica disse que “realiza provisões necessárias em
conformidade com as normas da ANS.” A Fenasaúde, que representa as
operadoras, não se pronunciou.